‘Não guardo rancor dos romanos’ – 12.5.2010

Professor compara situação na Bolívia ao nacionalismo étnico europeu (Foto: )

O advogado e diplomata Alberto Carnero foi, durante oito anos, o assessor para as relações com a América  Latina do ex-primeiro-ministro espanhol Jose María Aznar. Atualmente, é diretor da Fundação para a Análise e Estudos Sociais (FAES), em Madri. Carnero conversou com a reportagem de VEJA por telefone.


Como o senhor avalia a nova constituição boliviana no que se refere à questão indígena? A carta reflete o crescimento na América Latina de uma forma de indigenismo que defende uma luta de classes modificada, na qual o proletariado foi substituído pelo índio. Enquanto o marxismo entende que o operário oprimido possui direitos que estão por cima dos direitos dos demais, o indigenismo concede esse privilégio ao índio. Essa ideologia divide a sociedade em grupos usando critérios arbitrários, como os raciais ou étnicos. É uma direção oposta à trilhada pelo mundo moderno, democrático, que assegura os direitos dos indivíduos independentemente de sua origem étnica, cor ou situação social.

Qual é a consequência disso? Sempre que os direitos de um grupo são colocados acima dos direitos individuais, a democracia corre perigo. O resultado é o mesmo do obtido pelos nacionalismos étnicos europeus. Essas ideologias afirmam que um grupo está ameaçado por outro e deve se defender atacando. Slobodan Milosevic, ex-presidente da Iugoslávia, é um caso clássico. Ele buscava nos outros grupos a explicação para todos os males dos sérvios. Quem o apoiava pensava que o fato de ser sérvio o obrigava a odiar os vizinhos com os quais convivera por toda a vida, fossem croatas ou bósnios muçulmanos.

Como surgiu o indigenismo de cunho nacionalista? Trata-se de uma formulação intelectual, originada em universidades americanas e europeias. Mistura o mito do bom selvagem de Rousseau com conceitos marxistas, e foi moldado para ser algo atraente para as massas. O indigenismo como ideologia carrega vários preconceitos e não se baseia em fatos científicos. Exemplo disso é a transformação do passado da região em um lugar idílico, coletivista e igualitário, o que não é verdade. Essa forma de indigenismo ganhou raízes onde a democracia é mais débil, como na Bolívia e no Equador.

A constituição boliviana criou a justiça comunitária, que não estão submetida à justiça comum. Qual é sua opinião sobre isso? É algo gravíssimo porque cria um sistema fora da lei. Admite-se assim a existência de um espaço onde não estão vigentes as garantias que toda constituição tem, como o respeito aos direitos e liberdades do indivíduo.

Os países latino-americanos falharam em incluir os índios na economia e na política? O encontro entre as culturas europeia e indígena teve muitos erros. Houve massacres e injustiças. Os descendentes de indígenas da Bolívia, contudo, vivem hoje em um sistema que consideram melhor. Se fossem questionados se gostariam de retornar ao passado, com a medicina e os costumes de antes, diriam que não. Quando duas culturas entram em contato, a sociedade sempre se enriquece. A Espanha, até a chegada dos romanos, era uma região bárbara. Os conflitos eram resolvidos pelas armas. Com a vinda dos romanos, conhecemos o direito. Eu sou espanhol e não guardo rancores dos romanos. Não faria qualquer sentido.

Fuente: http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/nao-guardo-rancor-romanos-557943.shtml

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